Por César Augusto Baldi
A aprovação, pelo Decreto Legislativo 186, de 9 de julho de 2008, da “Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência”, assinada em 30 de março de 2007 e ratificada pelo Brasil em 1º de agosto de 2008, bem como de seu protocolo facultativo — pelo qual se reconhece a competência do Comitê para receber e considerar comunicações por violação desta — não tem merecido a devida consideração pelos seus efeitos constitucionais no campo dos direitos fundamentais.
Trata-se do primeiro tratado internacional de direitos humanos aprovado nos termos do artigo 5º, parágrafo 3º da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional 45/2004, segundo o qual “os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.
Conforme bem salientado por Valerio Mazzuoli (1), esta “equivalência” significa que estes tratados e convenções internacionais: a) passarão a reformar a Constituição, sendo, desta forma, também formalmente constitucionais; b) não poderão ser denunciados, nem mesmo com projeto de denúncia elaborado pelo Congresso Nacional; c) servirão de paradigma de “controle concentrado”, por quaisquer dos legitimados no artigo 103 da Constituição Federal, a fim de invalidar erga omnes as normas infraconstitucionais com eles incompatíveis.
Isto implica, também, vencer duas resistências jurisprudenciais:
A primeira, de que os instrumentos internacionais de direitos humanos somente podem ser inconstitucionais quando a proteção aos direitos fundamentais, na Constituição, seja mais ampla ou benéfica. Necessita, pois, revisão a orientação resultante do julgamento da ADI 1.480-DF, envolvendo a Convenção 158-OIT, em que o Supremo Tribunal Federal, além de entender que as normas eram “programáticas”, afastou qualquer interpretação de autoaplicabilidade que “desrespeitasse” a disciplina constitucional sobre despedida arbitrária.
A segunda, de que os todos os tratados de direitos humanos têm aplicação imediata, na forma do artigo 5º, parágrafo 1º da Constituição (2)e, pois, dispensam o decreto de execução presidencial para que irradiem efeitos tanto no plano interno quanto internacional. (3) Vale dizer, o reconhecimento do “status constitucional”, servindo, portanto, como “bloco de constitucionalidade” (são normas, no mínimo, “materialmente constitucionais”) e parâmetro de controle difuso, exercitável em qualquer grau de jurisdição. (4) De outra forma, não haveria porque afirmar que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição” (ou seja, os direitos fundamentais) não excluem “outros decorrentes” de “tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte” (artigo 5º, 2º). A jurisprudência do STF, a partir do Habeas Corpus 87.585/TO, afirmando o caráter de “supralegalidade” dos tratados internacionais (excluída, por óbvio, a hipótese do citado parágrafo 3º) ainda necessita dar um passo adiante, para sintonizar-se com o Direito Internacional Público, inclusive as decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos, segundo a qual: a) os instrumentos internacionais são imediatamente aplicáveis no plano interno (5); b) a responsabilidade internacional dos Estados pode decorrer de atos ou omissões de quaisquer dos poderes, independentemente de sua hierarquia e mesmo que o fato violador provenha de norma constitucional (6); c) o Poder Judiciário deve ter em conta não só o tratado, mas também a interpretação que dele tem feito a Corte. (7)
A Convenção sobre os Direitos das pessoas com deficiência tem algumas características interessantes: a) ao contrário da “Convenção Interamericana para a eliminação de todas as formas de discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência”, incorporada pelo Decreto Legislativo 198/2001, as disposições procuram ter em conta as “formas múltiplas ou agravadas de discriminação por causa de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de outra natureza, origem nacional, étnica, nativa ou social, propriedade, nascimento, idade ou outra condição” (prêambulo, letra “p”), do que se seguiu a normatização específica para estas situações de discriminação (por exemplo, previsões para mulheres — artigo 6, crianças, artigo 7, acessibilidade, artigo 9, exploração, artigo 16, educação, artigo 24 e saúde, artigo 25); b) fica reconhecida a diversidade das pessoas com deficiência (preâmbulo, letra “i”); c) não obstante todos os instrumentos internacionais, reconhece que as pessoas com deficiência “continuam a enfrentar barreiras contra sua participação como membros iguais da sociedade e violação de seus direitos humanos”, ou seja, de os direitos humanos tinham sido, anteriormente, subtraídos de determinados sujeitos. (8)
Sua equivalência à emenda constitucional implica, por sua vez, a constitucionalização dos conceitos de:
1. “pessoas com deficiência”, como aquelas que “têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas” (artigo 1º). Desta forma, procura conjugar o antigo “modelo biomédico de deficiência”, vinculado às lesões que incidiam sobre o corpo, reforçando a estigmatização, com o “modelo social”, vinculado às práticas e estruturas excludentes da sociedade. Assim procedendo, além de alterar o conceito existente na convenção interamericana citada (artigo 1), estabelece nova ótica de leitura para a própria Constituição, que utilizava a expressão “portador de deficiência”, bem como a invalidade de toda a legislação infraconstitucional que seja com ela incompatível. Neste sentido, é que devem ser lidos os artigos:
a) 203, V (prevendo o benefício assistencial), implicando, pois, a incompatibilidade, a partir de então, do artigo 20, parágrafo 2º da Lei 8.742/93 (para o qual, pessoa portadora de deficiência é “aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho”), o que já foi requerido por meio da ADPF 182/DF, pendente de julgamento no STF;
b) 208, II (ensino especial), agora também vinculado ao artigo 24 da Convenção, que prevê acesso ao “ensino primário inclusivo, de qualidade e gratuito” (item 2.”b”) e ao ensino secundário, “em igualdade de condições”, mas, ao mesmo tempo, a garantia de que seja ministrado “nas línguas e nos modos e meios de comunicação mais adequados ao indivíduo”, em especial as crianças cegas, surdocegas e surdas (item 3. “e”);
c) 227, parágrafo 1º, inciso II (adolescência), abrangendo as previsões da Convenção relativas à inclusão na comunidade (artigo 19), respeito pelo lar e pela família (artigo 23) e habilitação e reabilitação (artigo 26);
d) artigo 7º, inciso XXI (igualdade no acesso ao trabalho), que deve ser lido conjugado com o artigo 27 da Convenção, incluindo “igual remuneração por trabalho de igual valor, condições seguras e salubres de trabalho, alem de reparação de injustiças e proteção contra o assédio no trabalho” (item 1, “b”), bem como empregar na iniciativa privada, “mediante políticas e medidas apropriadas, que poderão incluir programas de ação afirmativa, incentivos e outras medidas” (item 1, “h”);
e) artigo 227, parágrafo 2º (acessibilidade), agora conjugado com os artigos 9 (acessibilidade), não somente em relação a edifícios, mas também a “rodovias, meios de transporte e outras instalações internas e externas, inclusive escolas, residências, instalações médicas e local de trabalho” (item 1. “a”) e a “informações, comunicações e outros serviços, inclusive serviços eletrônicos e serviços de emergência” (item 1. “b”), bem como ao artigo 18 (liberdade de movimentação e nacionalidade), artigo 20 (mobilidade pessoal), incluído o “acesso a tecnologias assistivas, dispositivos e ajudas técnicas de qualidade e formas de assistência humana ou animal e de mediadores” (alínea “b”) e ao artigo 29 (participação política), para que todos os procedimentos, instalações e equipamentos para votação sejam apropriados, acessíveis e de fácil compreensão (alínea “a”, i) e seja protegido o direito ao voto secreto (alínea “a”, ii);
f) 37, VIII (ingresso no serviço público), lido em conjugação com o artigo 27, “g” (empregar pessoas com deficiência no setor público), e, deste modo, o artigo 5º da Lei 8.112/90, ao reservar as vagas, deve ter em conta tais determinações.
2. “discriminação por motivo de deficiência” (artigo 2, terceiro parágrafo), entendida como “qualquer diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, com o propósito de impedir ou impossibilitar o reconhecimento, desfrute ou o exercício, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais nos âmbitos político, econômico, social, cultural, civil ou qualquer outro”, abrangendo “todas as formas de discriminação”. Ora, tal conceito é similar aos que já constavam em outras convenções já incorporadas no direito brasileiro, tais como as de eliminação de todas as formas de discriminação racial e de discriminação contra a mulher (CEDAW) e passa a densificar, com equivalência de emenda constitucional, todos os artigos constitucionais que tratam de “discriminação”, implicando, ainda, a adoção de todas as medidas necessárias “inclusive legislativas, para modificar ou revogar leis, regulamentos, costumes e práticas vigentes, que constituem discriminação contra pessoas com deficiência” (artigo 4, item 1, “b”), ou seja, o reconhecimento de dimensões negativa e positiva de tais direitos fundamentais.
3. “adaptável razoável” (artigo 2, quarto parágrafo), como aquelas “modificações e os ajustes necessários e adequados que não acarretam ônus desproporcional ou indevidos”, a fim de “assegurar que as pessoas com deficiência possam gozar ou exercer, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos humanos e liberdades fundamentais”. O que acarreta a necessidade de compatibilização das previsões da Lei 10.098/2000 a tais parâmetros.
4. “desenho universal” (artigo 2, quinto parágrafo) como a “concepção de produtos, ambientes, programas e serviços a serem usados, na maior medida possível, por todas as pessoas, sem necessidade de adaptação ou projeto específico”. Ademais, a convenção estabeleceu como obrigação geral dos Estados realizar ou promover pesquisa e desenvolvimento de produtos, serviços, equipamentos e instalações com “desenho universal” (artigo 4, item 1, “f”), devendo-se verificar, ainda, a compatibilidade das previsões da Lei 10.048/2000 a tais diretrizes.
Importante, ainda, destacar alguns princípios que se encontram inseridos na referida Convenção, tanto explícitos (artigo 3), quanto implícitos:
a) o princípio da “consulta”, corolário da gestão democrática, tanto ao considerar que as pessoas com deficiência devem ter “oportunidade de participar ativamente das decisões relativas a programas e políticas, inclusive aos que lhe dizem respeito diretamente” (preâmbulo, letra “o”), quanto ao estabelecer como obrigação geral dos Estados “na elaboração e implementação da legislação e políticas” a realização de “consultas estreitas”, por intermédio de suas “organizações representativas” (artigo 4, item 3), e, mesmo em relação às crianças, o direito de “expressar livremente sua opinião sobre todos os assuntos que lhes disserem respeito”, tendo sua opinião “devidamente valorizada de acordo com sua idade e maturidade” (artigo 7, item 3);
b) o princípio da “primazia da norma mais favorável às vítimas” (9), reconhecido no direito internacional (“pro homine”) e inscrito no artigo 4, item 4, como “obrigação geral”, no sentido de que:
a) nenhum dispositivo da Convenção “afetará quaisquer disposições mais propícias à realização dos direitos das pessoas com deficiência, as quais podem estar contidas na legislação do Estado parte ou no direito internacional em vigor para esse Estado”;
b) não haverá derrogação ou revogação de quaisquer direitos humanos e liberdades fundamentais, “ sob a alegação de que a presente Convenção não reconhece tais direitos e liberdade ou que os reconhece em menor grau”. A doutrina já o reconhecia como “princípio implícito” (10), baseado na dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, CF) e na prevalência dos direitos humanos (artigo 4º, I, CF), dentro da cláusula de “abertura material”do catálogo de direitos fundamentais (11), a reforçar, portanto, a mudança da jurisprudência do STF. É, pois, estabelecer um patamar de emenda constitucional para uma tradicional “cláusula de diálogo”, (12) norma básica de interpretação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (“Pacto de San José da Costa Rica”) (13), aprovada pelo Decreto 678/1992 (artigo 29, “b”), e que constava já nos dois pactos internacionais de “direitos civis e políticos” e “direitos econômicos, sociais e culturais” (artigo 5º, parágrafo 2º) e está presente na Convenção Européia de Direitos Humanos (artigo 60). Vem-se reconhecendo, inclusive, a necessidade de “abordagem multinível” (14) ou “fertilização constitucional cruzada” (15), o que implica que “em vez de simplesmente excluir do sistema certa norma jurídica, deve-se buscar a convivência entre essas mesmas normas por meio de um diálogo” entre as “fontes heterogêneas”, que “falam umas com as outras”. (16)
c) o princípio das “ações afirmativas”, no sentido de que “medidas específicas que forem necessárias para acelerar ou alcançar a efetiva igualdade das pessoas com deficiência não serão consideradas discriminatórias” (artigo 5, item 4), incluídos incentivos para emprego no setor privado (artigo 27, item 1, “h”).
d) o princípio do “respeito pela diferença” (artigo 3, “d”), reforçado no fomento a “atitude de respeito para com os direitos das pessoas com deficiência” (artigo 8, item 2, “b”), ao incentivo para que todos os órgãos da mídia retratem as pessoas com deficiência de “maneira compatível com o propósito” da Convenção (artigo 8, item 2, “c”), ao acesso às atividades culturais (artigo 30, item 1, “b”), inclusive em formatos acessíveis, ao apoio e incentivo à “identidade cultural e linguística específica”, incluídas as “línguas de sinais e a cultura surda” (artigo 30, item 4).
e) o princípio do “monitoramento por autoridades independentes” (artigo 16, item 3), para todos os programas e instalações destinados a pessoas com deficiência, de forma a evitar “quaisquer formas de exploração, violência e abuso”;
f) o princípio do “respeito pela dignidade inerente, a autonomia individual, inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas, e a independência das pessoas” (artigo 3, “a”), que fica expresso no reconhecimento de que gozam de “capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas em todos os aspectos da vida” (artigo 12, item 2), de que as salvaguardas necessárias para prevenir abusos devem ser “isentas de conflito de interesses e de influência indevida” (artigo 12, item 4), de que não serão arbitrariamente privadas de seus bens (artigo 12, item 5), de que a existência de deficiência não justifica a privação de liberdade (artigo 14, item 1, “b”), de que não poderão ser sujeitas a “experimentos médicos ou científicos sem seu livre consentimento” (artigo 15, item 2), de que possam escolher “seu local de residência e onde e com quem morar” (artigo 19, “a”) e de não estarem sujeitas a “interferência arbitrária ou ilegal em sua privacidade, família, lar, correspondência ou outros tipos de comunicação” (artigo 22), incluído o direito de, em idade de contrair matrimônio, “casar-se e estabelecer família, com base no livre e pleno consentimento dos pretendentes” (artigo 23, item 1, “a”).
De salientar, por fim, que ao aderir ao protocolo facultativo, restou reconhecida a competência do Comitê para receber e considerar comunicações “submetidas por pessoas ou grupos de pessoas, ou em nome deles, sujeitos à sua jurisdição, alegando serem vítimas de violação das disposições da Convenção”, desde que obedecidos os critérios de admissibilidade (artigo 2) :
a) não ser anônima;
b) não constituir abuso de direito ou incompatível com as disposições da Convenção;
c) não tinha sido examinada pelo Comitê anteriormente ou esteja sendo examinada por outro procedimento internacional;
d) tenham sido esgotados todos os recursos internos disponíveis, salvo tramitação que se prolongue injustificadamente ou cuja solução efetiva seja improvável;
e) não estar precariamente fundamentada;
f) os fatos não tenham ocorrido antes da entrada em vigor do protocolo para o Estado parte, “salvo se os fatos continuaram ocorrendo após aquela data.”
Como se percebe, a internalização dos dois instrumentos internacionais encerra consequências de âmbito legal e constitucional, inclusive em termos de indivisibilidade, interdependência e universalidade dos direitos humanos, a partir da matriz “pessoas com deficiência”, que ainda não tem merecido a necessária atenção. Um desafio gigantesco para a implementação dos direitos assegurados, mas também para os operadores do direito, quando se tem em conta que: a) os relatórios internacionais destacam a falta de capacitação adequada "em matéria de direitos humanos", em particular com respeito aos "direitos consagrados" em tratados internacionais, especialmente "na judicatura e entre os agentes públicos" (item 19 e recomendação 42 do relatório do Comitê DESC (17), recomendação 18 do relatório CERD (18) e itens 61 e 80, "i" do relatório da moradia adequada (19); b) o IBGE estimou constituírem um grupo de mais de vinte e quatro milhões de habitantes, ou seja, 14,5% da população brasileira. (20)
Referências
1. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. O controle jurisdicional da convencionalidade das leis. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 45-46.
2. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Memorial em prol de uma nova mentalidade quanto à proteção dos direitos humanos nos planos internacional e nacional. Direito e Democracia, v. 1, n. 1, 2000, p. 5-52. O autor, hoje integrante da Corte Internacional de Justiça, já destacava que não era possível dar igual tratamento a tratados de direitos humanos e acordos comerciais, e que o propósito dos parágrafos 1º e 2º do art. 5º, este último incluído por proposição sua, era “assegurar a aplicabilidade direta pelo Poder Judiciário nacional da normativa internacional de proteção, alçada a nível constitucional” (p. 45), residindo o problema na “falta de vontade de setores do Poder Judiciário de dar aplicação direta, no plano de nosso direito interno, às normas internacionais de proteção dos direitos humanos que vinculam o Brasil” (p. 46). Ademais, ressaltava que o disposto no § 2º alcançava igualmente os “tratados de direito internacional humanitário e de direito internacional dos refugiados que vinculam o Brasil” ( p. 47).
3. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. O controle jurisdicional da convencionalidade das leis, cit., p. 62. Os precedentes de Direito Internacional a seguir citados foram mencionados por este autor, neste mesmo livro.
4. A doutrina internacionalista, em geral, diferencia “declarações” ( como fontes de direito costumeiro, carecendo de força vinculante) e “convenções” ( com caráter normativo e dotadas de instrumentos para sua efetividade). Bartolomé Clavero sustenta que a Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas é “uma norma que não conhece precedentes”, tanto que “sequer se tem um nome apropriado para ela”, podendo-se dizer que “ é uma declaração das Nações Unidas com o conteúdo de um pacto entre os Estados membros das mesmas e os povos indígenas do mundo”. Não se sujeita “a ratificações dos Estados nem sua validade se supervisiona por instâncias internacionais tão só entre aqueles Estados que procederam sua ratificação”, tendo, porém, caráter geral e contando “com mecanismos de supervisão relativo a todos os Estados do mesmo alcance geral”, como se verifica do art. 38, segundo o qual os Estados “adotarão as medidas apropriadas (...) para alcançar os fins” da Declaração, e do art. 42, que determina que “as Nações Unidas, seus órgãos, incluído o Foro Permanente para as questões indígenas, e os organismos especializados, inclusive em nível local, assim como os Estados, promoverão o respeito e a plena aplicação das disposições da presente Declaração e velarão por sua eficácia”. Observe-se que, no julgamento Raposa Serra do Sol ( Petição 3388, Rel. Min. Carlos Ayres Britto), os ministros do STF, não se referindo à Convenção 169-OIT, destacaram, contudo, a ausência de caráter vinculante para a referida Declaração da ONU. Vide: CLAVERO, Bartolomé. Instrumentos internacionales sobre los Derechos de los Pueblos Indígenas: Declaración de Naciones Unidas y Convenio de la Organización Internacional del Trabajo. Disponível em: http://clavero.derechosindigenas.org/wp-content/uploads/2008/06/prologo-articulo-instrumentos.pdf , p. 1- 5.
5. Caso Trabajadores Cesados del Congreso vs. Perú, de 24/11/2006, voto apartado do Juiz Sergio García Ramírez, parágrafos 1-13, em que ficou assentado que, dado o caráter imediatamente aplicável dos referidos tratados, os tribunais nacionais “podem e devem levar a cabo seu próprio ‘controle de convencionalidade’ (parágrafo 11). Disponível em : http://spij.minjus.gob.pe/informacion/coyuntura/Sentencias_CIDH/TrabajadoresCongreso/VOTO%20RAZONADO-GARCIA%20-TRABAJADORES%20CESADOS%20DEL%20CONGRESO.pdf
6. Caso La Última tentación de Cristo (Olmedo Bustos y otros) vs. Chile, de 05/02/2001, em que ficou assentado que o Chile deveria “adequar suas normas constitucionais e legais aos standards de liberdade de expressão consagrados na Convenção Americana” (parágrafo 91.2). Disponível em: http://spij.minjus.gob.pe/informacion/coyuntura/Sentencias_CIDH/TrabajadoresCongreso/VOTO%20RAZONADO-GARCIA%20-TRABAJADORES%20CESADOS%20DEL%20CONGRESO.pdf
7. Caso Almonacid Arellano y otros vs. Chile. 26/09/2006, em que ficou assentado que, quando um Estado ratifica um tratado internacional, como uma Convenção, “seus juízes, como parte do aparato do Estado, também estão a ela submetidos” e, portanto, “o Poder Judicial deve ter em conta não só o tratado, mas também a interpretação que do mesmo tenha realizado a Corte Interamericana, intérprete última da Convenção Americana” (parágrafo 124). Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_154_esp.pdf
8. CLAVERO, Bartolomé. No distinction shall be made: gentes sin derechos y enemigos sin garantías en los órdenes internacional y constitucional, 1945-1966. Disponível em: http://clavero.derechosindigenas.org/wp-content/uploads/2009/02/gentes-sin-derechos-en-el-derecho-de-los-derechos-humanos.pdf p. 45.
9. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Direito Internacional e direito interno: sua interação na proteção dos direitos humanos. (especialmente item VIII). Disponível em: http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/22015/21579
10. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. O controle jurisdicional da convencionalidade das leis, cit., p. 102-108.
11. SARLET, Ingo. A eficácia dos direitos fundamentais; uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10ª ed. Porto Alegre: do Advogado, 2009, p. 78-140, incluída a discussão a respeito da introdução do parágrafo 3º do art. 5º.
12. A expressão é de Valerio Mazzuoli.
13. Para a interpretação deste artigo, vide: GOMES, Luiz Flávio & MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica). 2ª ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 186-191.
14. Palestra proferida por José Joaquim Gomes Canotilho, no Instituto Brasiliense de Direito Público, em Brasília, 23/10.2009. Informações em: http://www.conjur.com.br/2009-nov-03/integracao-internacional-economica-nao-social-canotilho
15. NEVES, Marcelo da Costa Pinto. Transconstitucionalismo. São Paulo. Tese apresentada ao concurso para provimento do cargo de professor titular na área de direito constitucional, junto ao Departamento de Direito do Estado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2009, p. 104.
16. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira, O controle jurisdicional da convencionalidade das leis, cit., p. 51.
17. http://www2.ohchr.org/english/bodies/cescr/docs/publications/CESCR- Compilacion(1989-2004).pdf
18. http://www.unhchr.ch/tbs/doc.nsf/0/f23afefaffdb960cc1256e59005f05cc/$FILE/G0441073.pdf
19. http://www.unfpa.org/derechos/documents/relator_vivienda_brasil_04.pdf
20. http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=438&id_pagina=1
César Augusto Baldi é mestre em Direito pela ULBRA-RS, doutorando Universidad Pablo Olavide (Espanha) e servidor do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (Porto Alegre) desde 1989.
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