domingo, 1 de novembro de 2009

Jovem com deficiência é barrado pelo Enem

29/10/2009 12:50 - Juliana Franzon

Após cursar o técnico de informática e os ensinos fundamental e médio utilizando um computador adaptado como meio de comunicação, o programador Guilherme Finotti, 17 anos, portador de paralisia cerebral, está impedido de usar o equipamento na prova do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio).

Com a intenção de prestar vestibular no final do ano, a não realização da prova impedirá o jovem de pleitear vaga nas universidades que adotarem o exame como ferramenta de seleção, além de acabar com a chance de concessão de bolsa de estudos.

Desde maio, a mãe de Guilherme, Eunice Finotti, está tentando a inclusão do filho na prova, porém a última resposta que obteve do Inep (Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) é de que apenas poderiam ser disponibilizados recursos como auxílio de fonoaudióloga para transcrição e uma hora a mais de tempo, não sendo possível o uso de equipamentos eletrônicos.

Segundo a professora do laboratório de inclusão e ergonomia da Feevale, Regina de Oliveira Heidrich, que desenvolveu as adaptações no computador e trabalha com o jovem desde 1998, a proposta de acompanhamento de uma fonoaudióloga demonstra a ignorância em relação a um problema de comunicação de um paralisado cerebral.

“Embora tenha o cognitivo totalmente preservado, o Guilherme não fala nem caminha, e apresenta movimentos involuntários. Trabalho com ele desde que tinha cinco anos e ainda tenho dificuldades de entender o que tenta falar. Estão identificando fraude quando o que queremos é apenas um computador que tenha a prova do Enem e um editor de texto” Regina analisa.

Em relação à proibição de utilizar o computador na prova, Finotti escreveu que se sente como um cidadão digno sem direito de crescer na vida. "Sou jovem e quero fazer o Enem com o meu lápis, que é o meu computador. Estou sendo tratado como se apenas quisesse brincar no exame”, enfatizou.

As adaptações consistem em um mouse especial e uma máscara do teclado, denominada colméia. Através delas são reduzidas as dificuldades de coordenação motora, como o fato de esbarrar nas teclas devido aos movimentos involuntários. O rapaz começou a utilizar o equipamento ainda na pré-escola, quando a professora Regina tomou conhecimento do caso.

“Após retornar de um mestrado em São Paulo, onde trabalhei com crianças da Apae, estava disposta a realizar a pesquisa do doutorado nesta área. Fui apresentada ao Guilherme, realizei alguns testes e constatei que realmente o intelecto não havia sofrido danos. Fiz alguns aprimoramentos na colméia do teclado, ele passou a freqüentar a escola com o auxílio do computador e desde então acompanho o seu desenvolvimento. É um aluno inteligente, com notas acima da média do restante da turma”, destaca Regina.

Tanto o curso técnico como os ensinos médio e fundamental foram cursados em escola inclusivas, com alunos com e sem necessidades especiais. “Nunca senti preconceitos, mas isso é algo que não me atinge”, declara Finotti quando questionado sobre a convivência com os colegas e professores.

Na opinião da professora, muitos paralisados cerebrais estão em instituições de educação especial por preconceitos e problemas motores, sendo a informática um forte fator de apoio para inclusão educativa. Para ela o principal problema está na falta de informação e formação de professores no ensino regular, para que possam dar a assistência necessária aos alunos em suas aulas.

“Conheço vários paralisados cerebrais que se alfabetizaram sozinhos ou com apoio da família, pois nunca foram aceitos na escola. Há o caso de um aluno bem incluído no ensino médio e que quando foi cursar a faculdade não tinha sequer ajuda para ligar seu notebook, sendo completamente ignorado. Essas questões são muito sérias, não se pode incluir sem ter o conhecimento de como é trabalhar com essas pessoas”, relata a professora.

Além de freqüentar as aulas do terceiro ano do ensino médio, que deve conclui no final do ano, o jovem também é bolsista de iniciação científica Jr. no Projeto Design Inclusivo Utilizando TIC´S (Tecnologias de Informação e Comunicação) Aplicadas à Educação, desenvolvido por Regina.

Como bolsista, duas vezes por semana o programador estuda e desenvolve tecnologias assistivas, softwares e hardwares voltados a pessoas com necessidades educacionais especiais. Entre seus projetos, destaca-se um jogo para alfabetização de crianças com paralisia cerebral, ainda em fase de testes.

Se tudo der certo e Finotti conseguir realizar o Enem, o próximo objetivo é pleitear uma bolsa nos cursos de Jogos Digitais, Sistemas para Internet ou Ciência da Computação. “Acho que escolhi essa área pelo fato de o computador ser quase meu ‘quinto membro’. Lembro que infernizei muito minha mãe para me matricular no técnico. Nunca imaginei que fosse me apaixonar pela área, o curso foi a melhor coisa que fiz na vida”, conclui.

No que depender do mercado de trabalho, o jovem tem tudo para conseguir uma boa colocação.
Desde 1991, a Lei de Cotas (nº 8.213) determina que todas as empresas brasileiras com mais de cem funcionários devem ter de 2% a 5% de deficientes contratados no seu quadro de funcionários. Assim, o mesmo governo que garante oportunidade no mercado de trabalho para os portadores de necessidades especiais, impede o jovem Guilherme de buscar qualificação.

“A demanda por profissionais portadores de necessidades especiais é muito maior do que a oferta. Há punições para a empresa que não preenche a cotas de deficientes prevista em lei, mas como os anúncios são realizados e as vagas não são preenchidas, fica comprovada a falta de pessoal qualificado”, revela Giovana Strano, diretora da TI Works, empresa gestora de recursos humanos focada em TI.

De acordo com informações do Departamento de Neurologia Infantil da USP, a incidência de casos de paralisia cerebral em países em desenvolvimento como o Brasil pode alcançar até sete para cada mil nascidos vivos, em contraposição a dois em cada mil nos países desenvolvidos. Outros estudos citam a estimativa de 30 a 40 mil novos casos por ano no país.

Proteste
Os leitores do Baguete Diário que quiserem se manifestar em favor de Guilherme Finotti podem mandar o link dessa matéria e seus comentários para o endereço de e-mail do Inep: faleconosco@inep.gov.br

3 comentários:

  1. Prezados Senhores,

    Como professor e pesquisador em Tecnologia Assistiva para a inclusão educacional de alunos com deficiência, com pesquisa de doutorado (divulgado nesta comunicade do PEABIRUS) desenvolvida nessa área, parece-me incompreensível e escandalosamente excludente a decisão do INEP de não permitir que o aluno Guilherme Finotti, que possui sequelas motoras graves de paralisia cerebral, realize a prova do ENEM utilizando os recursos tecnológicos e adaptações que lhe permitem explicitar seus pensamentos e conhecimentos, conforme é noticiado no seguinte site:
    http://www.baguete.com.br/noticiasDetalhes.php?id=3511637

    Nesse obstáculo, interposto pelo INEP, para a inclusão e participação de Guilherme Finotti nas possibilidades de crescimento e desenvolvimento social que deveriam ser disponiblizados a todos os cidadãos, enxergo também as barreiras, dificuldades e sofrimentos de diversos outros alunos meus, com as mesmas características e necessidades de Guilherme, e que são desestimulados por essa atitude do INEP, na sua luta para o aprendizado e crescimento pessoal.

    Lamento profundamente essa atitude, que vai frontalmente em oposição aos novos passos e decisões da sociedade e do Estado brasileiro, que aprovou em 2008, com o status de Emenda Constitucional, a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, uma convenção internacional aprovada na ONU, que tipifica claramente decisões com essa do INEP como discriminatórias.

    Espero e conclamo que essa posição excludente, discriminatória e anacrônica ainda possa ser revista e modificada, em direção a decisões mais democráticas e inclusivas, cumprindo, assim, o INEP, com a sua função e relevância social de forma mais cabal.

    Atenciosamente,


    Prof. Teófilo Galvão Filho

    www.galvaofilho.net
    teofilo@galvaofilho.net
    teogf@ufba.br

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  2. Prezados senhores,

    Como Coordenadora Executiva do Amankay Instituto de Estudos e Pesquisas, ONG que desde 1989 atua na área da deficiência e como socióloga que desde 1976 atua nessa mesma área, venho unir minha voz e meu protesto ao escrito pelo Prof. Dr. Teofilo Galvão Filho.

    É absolutamente impensável, em um país cuja Constituição cidadã garante, desde 1988, educação e igualdade de acesso à educação para TODOS e que tem um arcabouço jurídico sólido, que garante e reafirma esse direito e que ratificou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com deficiência pelo Poder Legislativo (2008) e pelo Poder Executivo (2009) que não seja permitido a esse jovem fazer o exame utilizando tecnologias assistivas, essas mesmas que permitiram que ele tenha tido uma escolarização de qualidade até aqui.

    Basta que o próprio INEP forneça o computador com apenas um editor de textos e a prova. Não parece tão complexo, não é mesmo? Ou o INEP não confia em seu pessoal e acha que o computador terá outros arquivos? Ou qual seria o motivo de não respeitar o direito à equiparação de oportunidades?

    Essa atitude, vinda de um órgão da estatura do INEP, que traz o nome de um ilustre educador (e atrevo-me a pensar que ele estaria envergonhado, caso soubesse dessa decisão discriminatória), que pertence ao MEC, que tem lutado PELA inclusão e que em última instância está ligado ao Governo Federal, que acaba de ratificar a Convenção pela segunda vez, justamente para reafirmar seu compromisso a favor da educação para TODOS, que tem liberado verbas para tecnologias assistivas e outros recursos de acessibilidade, é inaceitável. Vai contra as leis vigentes e contra a postura do próprio governo ao qual o INEP pertence.

    Ao ler essa notícia, não pude deixar de pensar: será que foi a primeira vez? ou outros estudantes já receberam esse tratamento discriminário e foram impedidos de prosseguir seus estudos, ao arrepio das leis brasileiras vigentes?

    Espero que essa decisão seja revista e no mais breve espaço de tempo possível.

    Atenciosamente,
    Marta Esteves de Almeida Gil
    Coordenadora Executiva
    Amankay Instituto de Estudos e Pesquisas

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  3. Caros senhores;

    Venho juntar meus protestos aos já existentes contra essa barbarie que está sendo discriminar meu colega com paralisia cerebral, Guilherme Finotti, ao vetar-lhe as condições necessárias para a realização da prova a que se candidatou. É um absoluto absurdo e, ao discriminar Guilherme, estão discriminando a todos nós, pessoas com deficiência. Não é concebível que pessoas ligadas à educação, cuja política de governo é a da educaçãoinclusiva, esteja praticando exatamente o inverso, indo contra todas as leis existentes no país. Isso é nosso direito, já adquirido, e vocês estão praticando crime ao fazê-lo. Não há justificativa viável e possível.

    Ao que brar essa regra ética e legal, os senhores estão ameaçando a todas as pessoas com deficiência desse país, mesmo que para parte de nós já tenham oferecido acessibilidade. Estamos juntos a Guilherme e não abriremos mão de que ele faça a prova, sob ameaça de adiarmos novamente o que vocês esperam ser uma prova dentro das leis e de nossos direitos.

    Sem mais, além de todos os meus protestos e de minha família, deixo-lhes a consciência de um crime odioso e que, como sociedade, esperamos reparação e retratação por parte de vocês.

    Marco Antonio de Queiroz - MAQ.

    ***
    Bengala Legal - Cegos, Inclusão e Acessibilidade: www.bengalalegal.com
    Acessibilidade Legal - Sites Acessíveis para todos: www.acessibilidadelegal.com
    ***
    P. S.: Você está recebendo um e-mail de uma pessoa cega. Isto é inclusão
    digital! Comemore conosco.
    Uma sociedade inclusiva é aquela que reconhece, respeita e valoriza a
    diversidade humana.
    MAQ - Rio de Janeiro - CEL: (21) 9912-0000.

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