Do asilamento à emancipação e de paciente a cidadão: caminhos da história e do processo de reabilitação
Ana Rita de Paula
artigo publicado no Jornal da AME, edição outubro/2009.
Os primórdios da ciência, particularmente da Pedagogia e da Medicina, vão encontrar as pessoas com deficiência isoladas totalmente da sociedade em grandes instituições que deram origem aos hospitais e ,lares-escola, em meados da Idade Média.
Às pessoas com deficiência, aos pobres, loucos e doentes eram oferecidos cuidados básicos de sobrevivência por essas instituições totais.
Podemos identificar como um primeiro discurso-modelo da ciência em relação às pessoas com deficiência o “Discurso Ortopédico”, no qual objetivava-se “consertar” o corpo, incluindo a mente e os sentidos dessas pessoas. A concepção de “deficiência” implícita nessas práticas era a de anomalias ou lesões no corpo biológico, no organismo do indivíduo, lesões estas que deveriam ser minoradas por práticas cirúrgicas ou de treinamentos das funções deficitárias.
O lugar do reabilitando era o de paciente que, desprovido de saber e de poder sobre si mesmo, deveria submeter-se ao conhecimento do especialista.
O segundo discurso encontrado na história da reabilitação e nos dias atuais é aquele que concebe a deficiência como um fenômeno que surge do encontro da diferença/ limitação do indivíduo com barreiras e obstáculos ambientais, sociais e políticos. Assim, uma pessoa que utiliza cadeira de rodas experimenta e explicita a deficiência diante de uma escada. Da mesma forma, uma deficiência visual pode ser muito minorada se uma pessoa cega dispuser de leitores de tela no computador.
Esta nova concepção de deficiência possibilitou que a reabilitação alcançasse resultados maiores e melhores pela adoção de normas de acessibilidade geral e pela utilização de ajudas técnicas. Agora, as pessoas com deficiência podem escolher as adaptações e equipamentos a que melhor se adequem. Assim, os reabilitandos passaram de pacientes a consumidores de serviços e tecnologias.
Apesar desse percurso ter significado um grande avanço, o objetivo de alcançar a cidadania exige que a prática reabilitacional considere e gere transformações no campo das relações interpessoais coletivas e na dimensão sócio-política. É necessário que o sujeito da reabilitação passe de consumidor a cidadão.
Essa trajetória histórica de reabilitação como prática social precisa ocorrer na história do processo de reabilitação de cada pessoa com deficiência em particular, por meio de práticas terapêuticas, educacionais e sócio-políticas.
Cada sujeito deve ser incentivado e apoiado a sair do isolamento e alcançar um maior grau possível de emancipação, que seu contexto de vida e momento histórico lhe permitir.
Doutora em Psicologia Clínica e detentora
do Prêmio Nacional de Direitos Humanos
em 2004 e Prêmio USP de Direitos
Humanos, em 2001
Fonte: http://www.ame-sp.org.br/noticias/news/tenews122.shtml
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