terça-feira, 25 de setembro de 2012

Não candidato, obrigado. Somos cidadãos, não pessoas “especiais”

25 de setembro de 2012 
 
Em evento realizado ontem – provavelmente marcado por sorrisos, aplausos e uma boa dose de emoção – o candidato a prefeito de Campinas, Jonas Donizette (PSB), apresentou suas propostas na área de atenção às pessoas com deficiência. Certamente é positivo que essa parcela da população tenha, nos últimos anos, demandado atenção dos gestores e postulantes a cargos públicos. Da mesma forma, acredito que aspectos do programa apresentados sejam do interesse das pessoas com deficiência e visem atender reivindicações legítimas.

 Porém, nesse pequeno texto pretendo criticar aquela que já tem sido divulgada como a principal proposta do candidato na área – e certamente foi confirmada ontem para euforia dos presentes: a criação da Secretaria Municipal dos Direitos das Pessoas com Deficiência. O que para grande maioria da população pode parecer como uma conquista das pessoas com deficiência é, em minha opinião, um grande equívoco e um retrocesso institucional, pelas razões que passo a expor.

Em primeiro lugar, a criação de uma Secretaria específica para tratar das questões que envolvem as pessoas com deficiência reproduz o vício – assistencialista e piedoso – de tratar este tema de maneira particularizada, segmentada e exclusiva. Ao invés de um órgão específico, a temática da inclusão social das pessoas com deficiência e da acessibilidade deve ser pauta permanente e transversal em todas as Secretarias Municipais, da Educação e de Saúde, passando pela de Transportes, Habitação e todas as outras. A própria existência de uma Secretaria única pode levar gestores e funcionários públicos a pensar que a temática da deficiência é de competência exclusiva desta instância específica, prejudicando, ao invés de melhorar, o desenho das políticas públicas.

Um segundo aspecto a ser considerado: se é válida a criação de uma Secretaria para cuidar dos interesses das pessoas com deficiência, porque não de outros grupos populacionais também historicamente discriminados e/ou socialmente excluídos? A vulnerabilidade e a discriminação atingem outros segmentos populacionais, como negros e homossexuais, por exemplo. Ocorre que, ao contrário das pessoas com deficiência, iniciativas e políticas públicas envolvendo tais grupos são permeadas por polêmicas e discussões. E quem vai ser contra a um órgão, com forte apelo emocional, para atender às pessoas com deficiência?

Minha resposta para esta pergunta é: nós mesmos! Nós, pessoas com deficiência, que deveríamos deixar de achar maravilhoso quando dizem que somos “super-heróis” ou “especiais”. Somos cidadãos com direitos e deveres, pessoas com virtudes e defeitos, assim como todas as outras. Creio que não devemos nos deixar levar por um discurso tradicional e, quiçá, bem-intencionado, mas que, aos nos sobrevalorizar, nos diferencia. É este o discurso que esta por traz da proposta de criação de uma Secretaria específica.

Em terceiro lugar, é preciso ter mente as implicações práticas da criação de uma nova pasta numa Prefeitura já inchada e com cargos de confiança em excesso. Já existem no âmbito da administração pública municipal instâncias como a Coordenadoria de Políticas Públicas das Pessoas com Deficiência, a Comissão Permanente de Acessibilidade (CPA) e o Conselho Municipal de Direitos das Pessoas com Deficiência (CMPD). O problema é que tais espaços funcionam precariamente e/ou foram esvaziados. A Coordenadoria, por exemplo, mesmo com uma estrutura enxuta, se bem qualificada tecnicamente, poderia assessorar o Prefeito e as Secretarias na execução de políticas públicas inclusivas.

A diferença entre uma Secretaria específica e uma Coordenadoria não é apenas semântica, mas reveladora da concepção de gestão pública que se pretende realizar. Ao contrário de uma Secretaria única com o mesmo status de outras pastas como Educação, Saúde e Trabalho, a Coordenadoria, sim, exerceria um papel transversal de assessoramente, não executor, mas formulador e fiscalizador das políticas públicas municipais. No limite, pode-se até pensar numa Secretaria Municipal de Direitos Humanos, composta pelas diversas Coordenadorias Temáticas, sem distinção ou privilégio para qualquer grupo populacional.

Portanto, com base nas razões expostas, ratificamos nosso entendimento de que não se justifica a criação de uma Secretaria Municipal para lidar de modo específico com as questões que dizem respeito às pessoas com deficiência. Tal experiência, iniciada na gestão de José Serra (PSDB) na Prefeitura e depois no Governo do Estado de São Paulo, não nos parece positiva, servindo muito mais como estratégia de “marketing político” (na campanha presidencial, em 2010, chegou-se ao cúmulo de se propor o “Ministério dos Deficientes Físicos”, Folha de São Paulo, 18 de Abril de 2010).

E para que não se diga que esta é uma posição de cunho político-partidária, também nos parece um contra-senso a aprovação de um “Estatuto das Pessoas com Deficiência”, nesses termos, que tramita no Congresso Nacional. A iniciativa é do Senador Paulo Paim, do PT. Da mesma forma, o simbolismo de um Estatuto específico é o de que “vivemos num mundo paralelo”.  Não é fácil romper com questões culturais solidificadas, que remetem ao assistencialismo, ao paternalismo e à caridade (características históricas do tratamento dado às pessoas com deficiência). Mas é preciso ter coragem para fazer esse movimento  e, quando nos é oferecida uma Secretaria Específica, dizer: não candidato, obrigado, somos cidadãos, não pessoas “especiais”.

Vinicius Gaspar Garcia, 36 anos, economista, pesquisador e ativista social. Fundador do Centro de Vida Independente de Campinas (CVI-Campinas), uma ONG gerida pelas pessoas com deficiência. Tetraplégico em função de mergulho em piscina, acidente ocorrido em 1995.

FONTE: TRÊS TEMAS

Nenhum comentário:

Postar um comentário