Prezados amigos de luta!
Estive presente na Conferência Mundial de Determinantes Sociais da Saúde, promovida pela OMS, realizada aqui no Rio, de 19 à 21 de outubro.Gostaria de trazer algumas informações sobre o que aconteceu e sobre a minha impressão pessoal. Não pretendo aqui apresentar um relatório, mas sim, trazer algumas reflexões para fundamentar algumas futuras discussões.Um evento grandioso, imenso mesmo, com a presença de diversos Chefes de Estado. Super bem organizado e que aconteceu em um Hotel da Zona Sul do Rio, Sofitel, e no Forte de Copacabana. Muitas discussões boas, mas que me trouxeram a uma reflexão sobre um grande desafio.Precisamos trabalhar muito as Políticas Setoriais voltadas ás Pessoas com Deficiências. Na Saúde, agora em tela, a visão geral ainda é que a Deficiência está relacionada com a Reabilitação.Mesmo em uma discussão sobre Determinantes Sociais é extremamente complicado explicar e fazer que os diversos atores percebam os novos paradígmas que cercam a questão da Deficiência.Por exemplo, para contextualizar esta discussão, é necessário entender que, já se sabe há muito tempo que as condições sociais influenciam decisivamente a saúde e que, portanto, é preciso implementar ações em todos os setores para promoção do bem-estar. A maior parte da carga das doenças, assim como as desigualdades de saúde, que existem em todos os países, acontece por conta das condições em que as pessoas nascem, vivem, trabalham e envelhecem, o que é chamado de "determinantes sociais da saúde". Muitos fatores sociais influenciam a saúde das pessoas e os mais importantes são aqueles que geram estratificação social, os determinantes "estruturais", tais como a distribuição de renda ou o preconceito de gênero ou étnico, em que eu destaco também a questão do preconceito quanto à Deficiência. Esses determinantes estabelecem posições socioeconômicas que geram hierarquias de poder, prestígio e de acesso a recursos. Entre os mecanismos que produzem e mantém essa estratificação estão a governança; os sistemas de educação; as estruturas do mercado de trabalho; e a presença ou ausência de políticas de distribuição de renda ou, por exemplo, no caso das Pessoas com Deficiências, da presença ou ausência de tecnologias assistivas. Esses mecanismos, que moldam as diferentes posições sociais ocupadas pelos indivíduos, são a causa última das desigualdades de saúde. São essas diferenças que dão forma às condições de saúde do indivíduo através do seu impacto em determinantes intermediários, como as condições de vida e a relação com o ambiente, as circunstâncias psicológicas, os fatores comportamentais e/ou biológicos, assim como o próprio sistema de saúde. As desigualdades de saúde são, portanto, um claro indicador da coerência das políticas de uma sociedade.O grande desafio é político. Transversalizar a política e inserir o olhar sobre a Deficiência de forma ampla e integral. Este é o grande desafio de nós, militantes dos Direitos Humanos.Neste diapasão surge a Acessibilidade. Prevista na Convenção como princípio e como Direito para se conquistar demais Direitos, a Acessibilidade torna-se o eixo fundamental de equidade. Portanto, dizer na Conferência Mundial que é a Acessibilidade, ou a falta dela, um Determinante Social da saúde das Pessoas com Deficiências, fica parecendo quase um discurso Extraterreno. A falta de Acessibilidade gera diferença entre as Pessoas sem Deficiências e as com Deficiências.Essas considerações políticas estão centradas nos valores prioritários na formulação de políticas. Para as Pessoas com Deficiências, aparecem em diversos princípios da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiências, como o da não discriminação, da dignidade inerente, entre outros. As desigualdades de saúde podem ser definidas como diferenças evitáveis, injustas e remediáveis nas condições de saúde entre diferentes grupos populacionais. Essas diferenças não são, de modo algum,naturais, mas sim o resultado de escolhas políticas. Portanto, quaisquer ações destinadas a reduzir as desigualdades de saúde estão baseadas na ideia deequidade, ligada às condições de saúde, e na justiça social como metas políticas. Será difícil que sociedades que rejeitam a equidade como valor central em seus processos,oportunidades e em sua saúde, sejam capazes de implementar ações destinadas ao combate das desigualdades de saúde - independente da sua capacidade técnica.O Conceito de Saúde da OMS se confunde com os princípios da Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. O tal bem-estar físico, mental, psíquicoe social, para as Pessoas com Deficiências, só será possível e alcançado quando garantirmos a Acessibilidade como eixo de equidade. Digo mais: isso só será possívelse as políticas setoriais forem articuladas e transversalizadas efetivamente no âmbito do Governo.Enquanto militante da Sociedade Civil também gostaria de dizer que a questão e a responsabilidade da transversalidade acontecer transcendem as estruturas Governamentais.A Sociedade Civil tem papel fundamental neste processo. E talvez nela que mora a maior resistência.Facilmente vemos a presença das discussões de Gêneros, igualdade racial e LGBT, mas há uma resistência ao viés da Deficiência quando se fala da equidade atravésda garantia de direitos, já que no senso comum dos presentes na referida Conferência, já somos atendidos por medidas reabilitacionistas, testes e exames preventivosde algumas doenças, medicamentos, bolsas para ostomizados e etc. Medidas importantíssimas por sinal. Enfim, as questões instrumentais são facilmente reconhecidas,porém, o que é intangível acaba ficando em segundo plano. Alguns só entenderam, mais ou menos, quando dei o exemplo de que em vários postos de saúde cadeirantesnão entram, o que pode dificultar os exames preventivos de gravidez de mulheres com deficiências.Reconhecidamente, penso que tanto a SDH, quanto o CONADE, devem fomentar esta discussão no seio do Governo e na Sociedade Civil. Mas não são os únicos. Em cadaesfera, em cada âmbito de atuação, todos nós temos as nossas responsabilidades. Muito temos que avançar. Sei que algo está sendo feito neste sentido, mas estamosengatinhando nas discussões da Saúde da Pessoa com Deficiência no sentido amplo da Coisa Pública. O olhar sobre a Deficiência, falando especificamente da Saúde,ainda é muito compartimentalizado e bem estruturado no modelo proposto pelo Complexo Médico-industrial.Não sei se é por que, quando da minha atuação como Fisioterapeuta, eu trabalhava com Terapias Orientais ou Alternativas, acabo sentindo falta da visão do HomemIntegral, onde o meio ambiente também faz parte dos cuidados de Saúde. E como a Deficiência resulta da interação da Pessoa com o ambiente em que vive, penso serfácil entender a questão aqui colocada.
A palavra de ordem é transversalizar, transversalizar e transversalizar. Precisamos quebrar as caixinhas desta Política Pública Setorizada. Necessitamos uma articulaçãoefetiva. As medidas devem ser estruturadas e estruturantes, integradas e integradoras, a fim de envolvermos todos os atores sociais.Talvez, no documento final da Conferência não saia, como desejávamos, a Deficiência como um determinante a ser tratado. Mas sinto que estamos só no começo. Conclamopois, todos nós, militantes de Direitos Humanos, para a reflexão sobre como atuarmos efetivamente nas Políticas Setoriais. Principalmente na da Saúde. Todo mundogosta muito de discutir Educação e Assistência Social. Reconhecemos essas questões como fundamentais. Vamos olhar com carinho para a Saúde. Afinal, Saúde, comodireito fundamental do homem, torna-se um dos Direitos Humanos principais. Para Pessoa com Deficiência especificamente, é a discussão primeira para se chegar àtão propalada Inclusão. É hora de buscar parcerias para a efetivação de uma discussão ampla sobre os Determinantes Sociais da Saúde da Pessoa com Deficiência.
Marcio Aguiar - Conselheiro Titular do CONADE
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