"Operadores
do direito estão habituados aos entraves ocasionados por textos legais
mal elaborados. Uma frase dúbia, uma vírgula mal colocada, e lá se vão
anos até que os tribunais superiores definam a interpretação correta do
texto, o ‘espírito da lei’.
Quando da tramitação do Projeto de Lei
168/2011 já se chamou atenção dos legisladores para o problema
representado pela redação do artigo 7º e seu parágrafo único, atualmente
parágrafo segundo.
Trocando em miúdos, o artigo 7º diz que o
gestor escolar não poderá recusar matrícula ao aluno com transtorno do
espectro autista ou qualquer outro tipo de deficiência, sob pena de
multa e, em caso de reincidência, perda do cargo.
O parágrafo do mesmo artigo, entretanto,
diz que se o gestor escolar, quem quer que seja, entender que aquele
aluno terá mais benefícios no ‘serviço educacional fora da rede regular
de ensino’, poderá recusar a matrícula sem qualquer consequência.
Ora, se o resultado prático do parágrafo é
anular as sanções impostas pelo caput do artigo, o artigo torna-se não
somente inócuo como desnecessário. É o clássico ‘dá com uma mão e tira
com a outra’…
Nem se discute a singeleza das sanções
impostas – multa de 3 (três) a 20 (vinte) salários mínimos, o que por si
só torna o artigo obsoleto. O mais grave, entretanto, é que o
dispositivo altera a Lei 7853/89, art.8º., II, reduzindo de detenção e
multa para esta irrisória multa a sanção a quem recusar matrícula a
qualquer pessoa com deficiência (não só autista).
Na prática, o que ocorrerá é que os pais
chegarão à escola com seu filho autista e o gestor, capacitado ou não,
imediatamente ou após ‘longa análise’, poderá simplesmente dizer-lhes
que seu filho será mais bem atendido em outro local, com mais condições,
etc… etc… Os pais então baterão às portas de outra escola, e outra, e
outra… até que não lhes reste alternativas.
Quando da discussão do assunto durante a
tramitação, confrontados com a possibilidade de discriminação presente
no projeto, alguns pais disseram ‘bom, aí é só acionar a justiça…’ – mas
é justamente essa a questão: se os pais precisarem acionar a justiça
cada vez que pretenderem efetivar a matrícula do filho autista não se
faz necessário novo dispositivo legal, a Constituição Federal já os
garante.
O que a nova lei deveria garantir é
justamente que os pais não precisassem acionar a justiça para ver
preservados os direitos de seus filhos. Além disso, o gestor escolar que
recusar a matrícula, justificadamente ou não, se acionado judicialmente
poderá sempre invocar o referido parágrafo em sua defesa, e estará ao
abrigo da lei.
Ademais, a Convenção da ONU (CDPD), que
tem equivalência de emenda constitucional, proíbe a discriminação e
determina que os governos estabelecerão medidas efetivas, inclusive
legislativas, para coibi-la, pelo que abrandar e anistiar a
discriminação é ir contra a implementação da CDPD.
Não, não se trata de defesa incondicional
da educação inclusiva, nos moldes em que posta hoje. Não se trata de
estabelecer um paralelo ou um conflito entre a educação especial e a
inclusiva. É óbvio que em alguns casos a educação especial é necessária e
a inclusão não é possível, por conta das barreiras e da falta de
suporte adequado no ambiente escolar.
Mas, como dito, não é disso que se trata.
Trata-se de garantir a efetividade da lei que visa resguardar os
direitos das pessoas com autismo. Trata-se de impedir que a lei que
nasceu com a finalidade de garantir esses direitos venha, ela mesma, a
institucionalizar a discriminação: a lei não pode delegar a terceiros –
diretores, médicos, gestores – a possibilidade de negar acesso a
direitos fundamentais, com base no autismo ou em qualquer condição de
deficiência.
Apesar de toda a mobilização pela
supressão, a questão não foi devidamente apreciada pelos legisladores e o
parágrafo foi mantido. Esperamos agora que a Presidenta Dilma Rousseff
dê ouvidos à razão e vete o artigo 7º do PLS168/2011, preservando os
direitos constitucionais das pessoas com Autismo e outras deficiências."
Deiva Lucia Canali, OAB/PR 12.995, mãe de autista e membro da ABRAÇA
Assine e divulgue a petição PELO VETO PRESIDENCIAL AO ARTIGO 7º DO PLS 168/2011:
http://www.avaaz.org/po/petition/Veto_Presidencial_ao_Artigo_7o_do_PLS1682011/?cSLIMdb
http://www.avaaz.org/po/petition/Veto_Presidencial_ao_Artigo_7o_do_PLS1682011/?cSLIMdb
Nenhum comentário:
Postar um comentário