quarta-feira, 2 de março de 2011

ARTIGO - Os irmãos de pessoas com deficiência e seus sentimentos.

Escrito por Sonia B. Hoffmann
Porto Alegre, março de 2011.

Um amplo repertório de sentimentos pode ser vivenciado intimamente ou externalizados através de diferentes linguagens pelos irmãos de pessoas com deficiência. Seu alvo é variável, abrangendo desde o próprio irmão, os pais, ela ou ele mesmo, as demais pessoas, o mundo enfim.
Estes sentimentos se alternam em intensidade, em significado e em sua motivação, exprimindo geralmente sua raiva, alegria, excitação, tristeza, medo, ciúmes, frustração, culpa e solidão. É claro que todas estas expressões da emoção também estão presentes na relação entre irnãos sem deficiência, no entanto, naquela situação há uma realidade a qual poderá no máximo ser
amenizada, mas não modificada: a deficiência. A não ser que pensemos em intervenções com células-tronco para alguns casos.

Talvez, algumas pessoas pensem ser um exagero dizer que muitos irmãos de alguém com deficiência sintam raiva, mas inicialmente pelo menos esta é uma reação bastante comum. Eles podem enraivecer-se ou odiarem tanto a pessoa e sua deficiência quanto seus pais, os profissionais na sua opinião incapazes, a sociedade e Deus porque sentem-se desvalorizados,
ignorados e colocados à margem da dinâmica familiar e dos acontecimentos. Esta raiva também pode surgir quando percebem que os pais ficam tempo demasiado com a pessoa com deficiência, abandonando-os; quando sua vida social e o lazer são restringidos em função da deficiência do seu irmão ou irmã; quando pressentem a injustiça na qual a família está envolvida, planejando diferentes e discrepantes expectativas para os filhos, ficando para um segundo ou qualquer outro plano que certamente será desviado ou perdido no tempo e no espaço.

A sensação ou a veracidade de sentir-se rejeitado pode levar o irmão de uma pessoa com deficiência a buscar na solidão e no isolamento o seu porto seguro, o seu oásis de sossego ou a sua ilha povoada por fantasmas. Há momentos e fatos que os levam a considerar seus amigos,
outros membros da família, seus vizinhos e colegas como verdadeiras ameaças, constrangendo-se por terem um irmão com deficiência, por ele não ter atitudes e comportamentos adequados e socialmente aceitáveis, por ele utilizar equipamentos ou instrumentos de adaptação que chamam a atenção dos outros para a deficiência e para a família ou, simplesmente,
porque seu irmão com deficiência poderá ser foco de piedade, de maltrato ou de rejeição quando apresentado a um colega, a um namorado ou a qualquer outra pessoa da sua rede social próxima ou distante.

A confusão é outro sentimento instalado facilmente na mente dos irmãos de alguém com deficiência, pois em determinadas circunstâncias perdem o referencial de sua função e dos papéis por eles exercidos: ora são irmãos, ora são cuidadores, ora são pais substitutos, ora não são nada e veem, a todo momento, prioridades e desigualdades de tratamento serem indisciplinadamente atribuídas e esbanjadas por seus próprios pais, pressionando os demais filhos para unirem-se a sua neurose de atendimento vip das necessidades nem sempre tão urgentes da pessoa com
deficiência.

A carência informativa sobre a deficiência do irmão é outro fator importante para a sua confusão mental e emocional. Daí para o medo existe um breve intervalo, que parece ser transposto rapidamente em algumas situações. Eles podem recear e amedrontar-se realmente com a possibilidade ou com ahipótese de "pegar" ou desenvolver a deficiência do irmão sem nem mesmo terem sido alertados dela ser ou não genética, hereditária ou transmissível por alguma via. A preocupação escessiva com o futuro e a vulnerabilidade do seu irmão, da sua família e dele mesmo podem deixá-los literalmente congelados e sem ação, com medo inclusive de um dia terem filhos porque não desejam que estes passem pela condição de deficiência, por suas limitações, por suas implicações, por sua fragilidade à exposição aos abusos, violências e hostilidades.

Constantemente rejeitado, abandonado, relegado para outro patamar inferior, é natural que um irmão sem deficiência fique ressentido e enciumado quando ele já possuia a fragilidade emocional antes da chegada daquela pessoa ou não receba, nem mesmo de outros familiares e profissionais, o apoio e o suporte necessários para sua (re)estruturação psíquica. A percepção contínua de que não representa para ninguém naquele grupo familiar um ser com necessidade de atenção e de
acolhimento, que rotineiramente é injustiçado com a irregularidade de humor e afeto dos pais e que não é lembrado ao longo das conversas ou presenteado com o mais insignificante sorriso de saudação por algum visitante pode desencadear no irmão da pessoa com deficiência uma verdadeira avalanche concentrada com o ciúme e com os demais sentimentos dele derivados.

Em cadeia e agindo cumulativamente, estes sentimentos reúnem-se fermentando outras emoções, exacerbando o estresse emocional, liberando energias nocivas à saúde mental, afetiva e social do irmão sem deficiência, sem resultarem necessariamente na construção sadia de uma
relação pelo menos respeitosa. A culpa e a frustração constituem, nesta hora, sentimentos controladores e sinalizadores da presença do desequilíbrio e da possível devastação deste filho sem deficiência. Sentindo-se como algoz ou como vítima de alguém já marcado pelo comprometimento motor, sensorial e mental, depois de breves vislumbres da sua situação ou de ouvir interminavelmente que deve agradecer por não estar na condição do seu irmão, a culpa passa a corroê-lo por ter sentido raiva, ressentimento ou o desejo da sua morte. Procura, então,
na (auto)punição redimir-se, reprimindo-se e agindo submissa e servilmente a qualquer pedido ou necessidade do irmão afetado pela deficiência. No entanto, esta não é uma relação natural e espontânea, assim frustra-se e todo um ciclo reinicia-se.

É difícil precisar a qualidade, a intensidade e a origem dos sentimentos circulantes entre os irmãos quando a deficiência está presente. Foram, entretanto, identificados vários fatores que podem influenciar a manifestação de emoções e sentimentos negativos ao convívio adequado e
saudável, tais como: gravidade da deficiência; idade e sexo da pessoa comprometida; tamanho da família; pressões exercidas pelos pais e profissionais quanto a alteração de papéis, funções e responsabilidades; situação financeira da família e despesas excessivas com a pessoa com deficiência; maltratos com o irmão sem deficiência pelos pais e pelo
próprio irmão com deficiência.

Neste último fator, surge um alerta que deve ser considerado com alto grau de preocupação: os sentimentos destrutivos e doentios nem sempre tem a direção do irmão sem deficiência para aquele com deficiência. Ressentimentos, mágoas, ciúmes, inveja e hostilidade também podem
acontecer por parte do irmão com deficiência por sentir-se desconfortável com a condição de seu irmão não apresentar comprometimentos, limitações e desvios posturais, motores, sensoriais ou
mentais.

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