sábado, 20 de fevereiro de 2010

DETERMINAÇÃO - Viver a vida literalmente: a gravidez de mulheres com deficiência


Ekaterini (acima), em sua casa em Brasília. Já existe uma logística à espera das gêmeas. Abaixo, a psicóloga paulista Tatiana Rolim. Ela fez faculdade e morou sozinha durante cinco anos. Agora está grávida de quatro meses

A psicóloga paulista Tatiana Rolim, de 33 anos, paraplégica, está na fase de se perguntar como vai enfrentar a maternidade em duas rodas. Grávida de quatro meses, Tatiana tem uma história de vida ímpar. Quem não a conhece, rapidamente se impressiona com sua independência, sua determinação em viver e sua maneira articulada de falar. Ela ficou paraplégica aos 18 anos por conta de um caminhão desgovernado que a atropelou. Antes de se casar, morou cinco anos sozinha. Depois do acidente, Tatiana formou-se em psicologia, voltou a trabalhar como modelo e foi eleita, em 2004, uma das condutoras da tocha olímpica dos Jogos de Atenas. Por muito tempo, ela saía de sua casa às 7 da manhã em Franco da Rocha (periferia de São Paulo) para enfrentar três horas de transporte público até chegar ao trabalho, no bairro de Santo Amaro. Certa vez, um motorista de ônibus recusou-se a levá-la. Ela não teve dúvidas e jogou a cadeira de rodas em frente ao ônibus. Resultado: ela e o motorista foram parar na delegacia. Em 2001, ao entrar na faculdade de psicologia, Tatiana conseguiu que a direção da escola colocasse rampas para facilitar seu acesso às salas de aula. Com as mãos na barriguinha, ela diz esperar que seu filho seja tão determinado quanto ela.

Entre as várias conquistas de Tatiana depois de ficar paraplégica está o resgate de sua sexualidade. Em seu livro Meu andar sobre rodas (editora Scortecci), ela conta que um dos rapazes que se apaixonaram por ela dizia que não conseguia vê-la como uma mulher deficiente, porque isso significaria dizer que ela era um ser “assexuado, sem desejos, sem tesão”. Segundo um estudo sobre sexualidade e deficiência da psicóloga Ana Cláudia Bortolozzi Maia, do Núcleo de Estudos em Sexualidade da Universidade Estadual Paulista (Unesp), o portador de deficiência pode levar uma vida sexual ativa. “As pessoas nem pensam que os cadeirantes fazem sexo. Muito menos que venham a ter filhos”, diz Ana Cláudia. Em sua pesquisa, ela constatou também que a maior parte dos deficientes deseja construir uma família. Mas Ana Cláudia faz um alerta às que querem ser “supermães”: “Ter filhos é uma decisão importante. Porém, é preciso não romantizar”, diz ela. Ou seja, elas precisam estar conscientes de que o sonho da maternidade é possível, mas as limitações de locomoção estarão sempre presentes.

Ekaterini Hadjirallis, filha de gregos e nascida no Uruguai, diz ter essa consciência e que por isso já montou um esquema para receber seus bebês. Ekaterini é paraplégica e está grávida de duas meninas. Por conta da gravidez das gêmeas, ela se mudou para o mesmo prédio da mãe em Brasília e pediu licença do trabalho. Psicóloga formada na Universidade de Brasília, ela trabalha no Tribunal Superior do Trabalho e diz que contará com a ajuda do marido, dos familiares e de uma babá para cuidar das crianças: “Estamos construindo uma logística”.

A pediatra Alice Deutsch, responsável pelo setor de neonatologia do Hospital Albert Einstein, diz que tanto a grávida como a mãe cadeirante sempre vão precisar de apoio adicional. A pediatra afirma que já viu situações delicadas com grávidas que sofreram lesão medular. Uma delas não sentiu as contrações e deu à luz, em um parto normal, a trigêmeos no quinto mês e meio de gravidez. Os bebês ficaram na UTI e sobreviveram. Apesar das cautelas, em nenhum momento a médica desencoraja a mãe com deficiência a realizar o sonho de ter um filho.
As pessoas nem pensam que cadeirantes fazem sexo, muito menos que venham a ter filhos

Um dos cuidados essenciais na hora do parto dessas mulheres é a anestesia – e por isso a importância de verificar o tipo de lesão medular que elas carregam. Apenas um neurologista pode fazer essa avaliação. Uma tetraplégica com lesão cervical precisa tomar cuidado especial, porque já sofre de limitação respiratória, dizem alguns médicos. Algumas pacientes paraplégicas recebem anestesia geral, outras a local. A obstetra Miriam diz que já realizou dois partos de paraplégicas com anestesia local. Uma delas desejava ver o filho nascer. Existem especialistas que defendem o parto normal para mulheres deficientes, como a terapeuta ocupacional americana Judith Rodgers, que sofreu lesão parcial cerebral e estuda pacientes com deficiência há 30 anos. Judith é autora do livro Mother to be: a guide to pregnancy and birth for women with disabilities (editora Demos, 1991), algo como Gestante: um guia para a gravidez e o parto de mulheres com deficiências. Ela disse a ÉPOCA que em seu livro “são citados casos de mulheres deficientes que tiveram parto normal sem fazer esforço”. Ela sustenta que um dos principais problemas na gravidez das deficientes é a falta de informação entre os profissionais de saúde. A pesquisa Pregnancy for women with spinal cord injury (Gravidez de mulheres com lesões medulares), coordenada pelo médico americano Phil Klebine, da Universidade de Alabama, publicada em 2000, oferece uma lista dos problemas que a grávida cadeirante pode vir a ter. Além de trombose e infecção urinária, podem surgir complicações respiratórias, espasmos musculares e até hiper-reflexia autonômica – um aumento severo dos estímulos do sistema nervoso que pode causar hipertensão e sudorese. No final do estudo, os médicos dão um recado: “Não deixe que amigos, familiares ou até médicos façam com que você não tenha um bebê”. E concluem: “Embora haja riscos de complicações relacionadas à gestação, você pode reduzi-los e administrá-los com cuidados de um pré-natal adequado e um planejamento apropriado”.

No mês de março, uma iniciativa inédita deverá acontecer em um hospital público em São Paulo: o primeiro serviço de atendimento à saúde da mulher com deficiência. O projeto piloto deverá começar em março no Hospital Municipal Maternidade-Escola de Vila Nova Cachoeirinha e deverá ser expandido para outros hospitais da rede municipal paulista ainda neste ano. A maternidade já recebeu dez camas especiais para exames ginecológicos, um mamógrafo para que a gestante faça exames sem sair da cadeira de rodas e uma espécie de guindaste para transferi-la da cadeira para a cama. Os funcionários da saúde do hospital (médicos, enfermeiros, terapeutas, psicólogos) deverão passar neste mês por um treinamento. “O médico que diz que uma paciente tetraplégica não pode engravidar está desinformado”, diz o ginecologista e obstetra Carlos Alberto Ruiz, diretor do hospital-maternidade. “Essa mulher não é diferente das outras. Muitas vezes, as limitações estão mais presentes é na cabeça das pessoas.”

FONTE: Revista ÉPOCA

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