quinta-feira, 20 de março de 2014

DEFICIÊNCIA PSICOSSOCIAL - A Nova Categoria de Deficiência

Citação bibliográfica
SASSAKI, Romeu Kazumi. Deficiência psicossocial: a nova categoria de deficiência. Fortaleza: Agenda 2011 do Portador de Eficiência, 2010.

A deficiência psicossocial ― também chamada “deficiência psiquiátrica” ou “deficiência por saúde mental” ― foi incluída no rol de deficiências pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), adotada na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) em 13/12/06.
No Artigo 1 (Propósito), a Convenção afirma que “Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.” Trata-se de uma afirmação e não de uma definição. Se fosse uma definição, ela estaria no Artigo 2 (Definições).

De acordo com essa afirmação:

Se uma pessoa tem impedimentos...
Ela é uma pessoa...
... de natureza física
... com deficiência física
... de natureza mental (saúde mental)
... com deficiência psicossocial
... de natureza intelectual
... com deficiência intelectual
... de natureza sensorial (auditiva)
... com deficiência auditiva
... de natureza sensorial (visual)
... com deficiência visual

A inserção do tema “deficiência psicossocial” representa uma histórica vitória da luta de pessoas com deficiência psicossocial, familiares, amigos, usuários e trabalhadores da saúde mental, provedores de serviços de reabilitação física ou profissional, pesquisadores, ativistas do movimento de vida independente e demais pessoas em várias partes do mundo.
Convém salientar que o termo “pessoa com deficiência psicossocial” não é o mesmo que “pessoa com transtorno mental”. Trata-se, isto sim, de “pessoa com sequela de transtorno mental”, uma pessoa cujo quadro psiquiátrico já se estabilizou. Os transtornos mentais mais comuns são: mania, esquizofrenia, depressão, síndrome do pânico, transtorno obsessivo-compulsivo e paranóia. O Dr. João Navajas já dizia em 1997: “Se houver sequelas, essas pessoas poderão se adequar às limitações sem deixar suas atividades do dia a dia, como estudar ou trabalhar” (Sociedade Brasileira de Psiquiatria e Comunidade Terapêutica Dr. Bezerra de Menezes).
Também alunos com certos tipos de transtorno global do desenvolvimento (TGD) poderão, a partir de agora, fazer parte do segmento das pessoas com deficiência e beneficiar-se das medidas asseguradas na CDPD. Alguns desses tipos são: síndrome de Rett, síndrome de Asperger, psicose (http://lucimaramaia.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=15&Itemid=8) e autismo (“Autismo: inserção social é possível?”, Cinthia Pascueto, Jornal da UFRJ, ed. n. 200, 24/4/03). 
Em documentos a respeito da CDPD, a ONU usa o termo “deficiência psicossocial” ao comentar os impedimentos de natureza mental, ou seja, relativa à saúde mental. Um desses documentos produzidos pela ONU é o PowerPoint que explica o conteúdo da CDPD (Secretariado da ONU para a CDPD: www.un.org/disabilities).
O documento “The United Nations Convention on the Rights of Persons with Disabilities: Towards a Unified Field Theory of Disability”, de 22 páginas, ― que originalmente foi uma palestra ministrada em 10/10/09 pelo prof. Gerard Quinn ― é todo dedicado a traçar a trajetória de dois campos, o das deficiências e o da saúde mental, que se desenvolveram paralelamente no passado, mas que foram juntados em igualdade de condições no contexto da CDPD. Gerard Quinn é Diretor do Centro de Lei e Política da Deficiência, da Universidade Nacional da Irlanda (www.nuigalway.ie/cdlp).
Desta forma, pela primeira vez na história dos direitos humanos, pessoas do campo da saúde mental e pessoas do campo das deficiências trabalharam em torno do mesmo objetivo ― a elaboração da CDPD. Ao cabo de quatro anos, reconhecendo que a sequela de um transtorno mental constitui uma categoria de deficiência, elas a colocaram como deficiência psicossocial junto às tradicionais deficiências (física, intelectual, auditiva e visual).
Com a ratificação da CDPD por um crescente número de países-membros da ONU, estabelece-se uma ótima perspectiva para profundas mudanças nos procedimentos destes dois campos. Pois, mais de 40% dos países ainda não possuem políticas públicas para pessoas com deficiência psicossocial e mais de 30% dos países não possuem programas de saúde mental. Em todo o mundo, mais de 400 milhões de pessoas têm algum tipo de transtorno mental, conforme a Organização Mundial de Saúde. No Brasil, são 3 milhões de pessoas com transtornos mentais graves (esquizofrenia e transtorno bipolar), mas considerando os tipos menos severos (depressão, ansiedade e transtorno de ajustamento), cerca de 23 milhões de pessoas necessitam de algum tipo de atendimento em saúde mental. Acontece que em nosso país há somente 1.513 Centros de Atenção Psicossocial (Caps), segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria (http://www.sissaude.com.br/sis/inicial.php?case=2& idnot=7154, 29/6/2010).
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Grupos de apoio: PcDP
O termo “pessoa com deficiência psicossocial” (PcDP) é relativamente novo, quase contemporâneo do nome anterior, “pessoa com deficiência psiquiátrica”. Mas, estas pessoas já se organizavam em grupos de autoajuda na década de 50, quando eram chamadas “ex-pacientes psiquiátricos”. Na década de 80, consideravam-se “sobreviventes da saúde mental” (ou “sobreviventes da psiquiatria”) e começaram a se chamar “deficientes psiquiátricos”.
De acordo com um estudo feito nos EUA em 1958 pela Joint Commission on Mental Illness and Health (JCMIH), já havia naquele ano mais de 70 organizações de “ex-pacientes psiquiátricos” em 26 estados, sendo 14 na Califórnia. A organização Recovery, Inc. tinha 250 pequenos grupos em 20 estados, totalizando 4.000 membros. Inicialmente, as pessoas se reuniam interessadas em relacionamentos sociais e troca de histórias de vida (“Action for Mental Health”, JCMIH, 1961, p.186-187).
As reuniões eram informais, coordenadas por uma pessoa com deficiência psicossocial ou por um consultor voluntário. O local era geralmente um hospital, clínica ou escritório de órgão público. Em 1989, 1991 e 1996, tive a oportunidade de participar dessas reuniões na Families and Friends Alliance for the Mentally Ill (Aliança de Famílias e Amigos de Pessoas com Transtorno Mental), um grupo que se reunia no Centro de Saúde Mental Acadiana, em Lafayette, Louisiana, EUA.
Hoje, as PcDP que lideram organizações e grupos de apoio são consideradas ativistas ou autodefensoras e lutam pelos seus direitos. Na Colômbia, o projeto “Reconhecimento da Capacidade Jurídica das Pessoas com Deficiências Intelectual e Psicossocial”, é executado pelas organizações Asdown e Fundamental Colombia, que reúnem pessoas com deficiência psicossocial (http://www.riadis.net/riadis-em-acao-15/inicia-se-execuccedilatildeo-e-seguimento-dos-micr/).
.Para saber mais:

Asoc. Cántabra para la Rehabilitación Psicosocial
www.acarp.org
Assoc. Bras. de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos
www.abrata.com.br
Assoc. Bras. de Síndrome de Tourette, Tiques e Transtorno Obsessivo Compulsivo
www.astoc.org.br
Assoc. dos Familiares, Amigos e Portadores dos Transtornos de Ansiedade
www.aporta.org.br
Assoc. Nacional Pró Saúde Mental (Projeto Fênix)
http://www.fenix.org.br/conteudo/material.htm

Rede Voz Pro Salud Mental 
http://portal.vozprosaludmental.org.mx
World Fellowship for Schizophrenia and Allied Disorders 
www.world-schizophrenia.org

ROMEU KAZUMI SASSAKI
Consultor de Inclusão Social
Email: romeukf@uol.com.br

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