domingo, 1 de fevereiro de 2015

Em mulher não se bate nem com uma flor!

01/02/2015 - Marta Gil.

Assim falava o malandro de voz macia, terno de linho branco, flor na lapela, sapato bico fino de duas cores, ao se curvar, cheio de mesuras, para beijar a mão da cabrocha.

E acrescento, por conta própria: e nem se bate em criança, homem, idoso, seja qual for sua condição: sexo, idade, origem, orientação sexual, presença de deficiência, etnia, condição econômica...

Esse dito popular, tão repetido pelos antigos, lamentavelmente pertence ao passado. Pior ainda, a cada dia os relatos de violência se sucedem e parece que estão cada vez mais virulentos. É preciso lembrar que a violência tem muitas caras, além do uso da força física.

O artigo 14 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência1, o Relatório Mundial sobre a Deficiência (2011), elaborado pela Organização Mundial da Saúde e pelo Banco Mundial2, o Relatório Crianças com Deficiência – Situação Mundial da Infância (UNICEF, 2013)3 e estudos feitos em outros países enfatizam a importância de considerar as condições específicas deste grupo, que tem mais chances de sofrer abuso sexual, maus tratos na infância, mais dificuldade para acessar a polícia e ter proteção jurídica ou cuidados preventivos. Para agravar ainda mais a situação, frequentemente sua credibilidade é questionada: Será que ele (ou ela) sabe do que está falando? Será que não viu na novela e está fantasiando?

Como lidar com esta situação intolerável?

Uma alternativa é garantir que as pessoas com deficiência tenham autonomia e acesso a informações sobre como identificar potenciais agressores e como se defender.

A Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Estado de São Paulo criou, em maio de 2014 a Delegacia de Polícia da Pessoa com Deficiência, que conta com equipe multidisciplinar, que foi capacitada para atender este público.

Os dados coletados são alarmantes: de junho a dezembro, a Delegacia atendeu diretamente 412 casos – ou seja, uma média de 69 casos/mês na cidade de São Paulo. Foram lavrados 90 boletins de ocorrência e instaurados 34 inquéritos; denúncias que chegam pelo serviço Disque 100 e pelos boletins de ocorrência (BO) de todo o Estado de São Paulo foram acompanhadas.

Outra inovação foi a criação de um campo específico nos BO, para identificar se a vítima tem deficiência. Os dados são igualmente alarmantes: entre maio e outubro foram 8.607 registros no Estado de São Paulo.

Estes e outros dados foram apresentados no Seminário Estadual: Enfrentamento da Violência contra Pessoas com Deficiência, realizado dias 27 e 28 de novembro de 2014 pela Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência de São Paulo4. Ao analisá-los de forma crítica, os pesquisadores destacaram o caráter pioneiro e a necessidade de aprimoramento da metodologia – nenhuma destas ressalvas, porém, diminui a relevância da iniciativa.

Silêncio: os dados falam por si.
A vida é tão rara, nos ensina Lenine (“Paciência”).

Nenhum comentário:

Postar um comentário